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Câncer de Colo de Útero: Como tratar?
Autora: Dra. Georgia Cintra
Especialista em Ginecologia Oncológica
Edição 15
O Câncer de Colo de Útero é o terceiro tipo de câncer mais incidente entre mulheres no Brasil. Para o ano de 2022 foram estimados 16.710 casos novos, o que representa uma um risco considerado de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres (INCA, 2021).
É causado na imensa maioria das vezes pela infecção persistente pelo vírus do HPV. Esta é a infecção sexualmente transmissível mais frequente, sendo a chance de alguém se infectar pelo vírus em torno de 80%.
É uma doença com progressão lenta , podendo levar anos desde a infecção pelo HPV até o surgimento da lesão invasora, havendo uma janela longa de oportunidade para diagnóstico das lesões precursoras, através dos programas de rastreamento.
A médica Georgia Cintra, especialista em Ginecologia Oncológica, esclarece os possíveis caminhos da medicina após o diagnóstico da doença.
O que mudou no tratamento do câncer de colo de útero nos últimos anos?
O tratamento do câncer de colo de útero evoluiu muito pouco nos últimos 20 anos, em parte pela falta de ensaios clínicos sobre esta doença negligenciada. Um dos exemplos de melhoria foi a incorporação de tecnologia no tratamento radioterápico, como a IMRT (do Inglês “intensity-modulated radiation therapy”) o que permitiu uma melhor adequação das doses recebidas pelos tecidos adjacentes ao útero, diminuindo consideravelmente os efeitos adversos.
Do ponto de vista cirúrgico, a literatura tem sido cada vez mais robusta em mostrar a segurança dos tratamentos preservadores de fertilidade e da diminuição da radicalidade em estádios iniciais de bom prognóstico. Para diagnóstico de metástase linfonodal, o papel da pesquisa de linfonodo sentinela tem ganhado espaço após estudos mostrarem baixos índices de falso negativo e prognóstico oncológico semelhantes a das pacientes que realizaram linfadenectomia sistemática.
Quais as possibilidades de tratamento?
Como em qualquer outra neoplasia maligna, o tratamento do câncer de colo de útero depende do estadiamento.. A disseminação mais comum é local, principalmente para a vagina, para os paramétrios e, em casos mais avançados, para a bexiga e o intestino. Os linfonodospélvicos e para-aorticos também podem estar acometidos, mesmo em tumores pequenos. Mais raramente, ocorre metástase à distância, como o pulmão e fígado.
Em pacientes com tumores iniciais pode ser oferecido tanto o tratamento cirúrgico como a radioterapia pois ambos oferecem taxas semelhantes de cura. Mas devido ao perfil de toxicidade destas modalidades terapeuticas, se não há contra-indicação clínica, a tendência é oferecer tratamento cirúrgico, que pode consistir em:
— Conização
— Histerectomia extra-fascial
— Histerectomia radical
— Traquelectomia radical
O tamanho tumoral é o que define a necessidade ou não de ressecar o paramétrico e os linfonodos pélvicos. Tumores maiores do que 3mm devem ter os linfonodos pélvicos avaliados, ou através da técnica do linfonodo sentinela ou pela remoção sistemática de todos os gânglios.
Estudos têm demonstrado a segurança de omitir a parametrectomia em pacientes com tumores menores de 10mm, sem invasão angiolinfática e com invasão estromal superficial. Porém, ainda não temos respaldo em guidelines das principais sociedades oncológicas para incorporar isto na prática clínica, sendo apenas uma perspectiva futura.
Já nas pacientes com tumores grandes (> 4cm) ou que ultrapassam o limite do colo uterino, o tratamento padrão é a radioterapia externa associada à quimioterapia seguida de braquiterapia. Em mulheres com metástase à distância, o tratamento em geral é com quimioterapia paliativa, podendo estar associado a anticorpo monoclonal antiangiogênico (bevacizumabe) eà radioterapia para controle dos sintomas relacionados ao tumor.
Existe tratamento cirúrgico que preserve a fertilidade em câncer de colo uterino?
Em pacientes com tumores pequenos (até 2cm) que ainda desejam engravidar, há opções cirúrgicas que preservam a fertilidade, como a conização ou a traquelectomia.
Como deve ser feito o seguimento pós-tratamento da doença?
O objetivo do seguimento é detectar recidiva precocemente e realizar reabilitação das pacientes, que muito frequentemente apresentam sequelas do tratamento.
Aproximadamente 70% das recorrências ocorrem nos primeiros 2 anos. Por isso, neste período, a avaliação médica deve ser mais frequentes, com intervalo de 3 a 4 meses.
A maioria das recidivas é sintomática, sendo sangramento vaginal e dor pélvica os sinais mais comuns. Por isso, é importante orientar as pacientes sobre os sintomas e retorno precoce, sendo esta medida possivelmente mais eficaz do que a realização periódica de exames. Não há um consenso na literatura médica sobre quais exames devem ser solicitados no seguimento. A recomendação costuma ser pelo menos um exame de imagem (ressonância magnética ou tomografia) no primeiro ano.
Mulheres que trataram câncer de colo uterino podem apresentar dificuldade para ter relação sexual, disfunções urinárias ou intestinais, além de transtornos mentais como depressão e ansiedade. Há tratamentos que minimizam esses sintomas e o médico que realiza o seguimento deve estar atento às queixas e tentar reduzir os impactos da doença e do tratamento.
Estenose vaginal
A estenose vaginal é definida como o estreitamento e/ou encurtamento anormal da vagina. Essa afecção pode levar à dispareunia, restrição da penetração vaginal e limitar, ou até mesmo impedir, o exame físico ginecológico. Estas dificuldades e disfunções sexuais causam impacto negativo sobre a qualidade de vida o bem-estar das pacientes acometidas pela complicação.
Nos casos de câncer de colo de útero, a estenose vaginal pode ser resultante da abordagem cirúrgica e/ou da radioterapia como opções de tratamento, ou até mesmo por invasão tumoral.
A fisioterapeuta Marcela Ponzio, Especialista em Saúde da Mulher e Responsável pelo Setor de Fisioterapia da Unicamp, explica detalhes sobre a condição e suas possibilidades de tratamento.
Em quais casos de câncer de colo de útero ela pode ocorrer?
Em virtude da cirurgia, a estenose vaginal ocorre pela proximidade dos órgãos pélvicos, fáscias, ligamentos, sistema vascular do canal vaginal e da necessidade de manipulação destas estruturas, seja para retirada, para viabilização ou até mesmo decorrente de mudanças anatômicas dos órgãos remanescentes.
Já em função da radioterapia, a estenose vaginal é resultante do aumento da produção de colágeno e depósito de fibrose sobre o tecido que compõe a mucosa vaginal.
Além disso, alguns fatores de risco podem favorecer esta condição, como por exemplo: pacientes ooforectomizadas, ter idade maior que 50 anos, ser tabagista, local e estadiamento da doença e mulheres com menor número de relações sexuais pós-tratamento.
Como tratar a estenose vaginal e qual o papel da fisioterapia no tratamento?
A estenose vaginal deve ser tratada por um profissional especialista na área da saúde e de pacientes oncológicos, por meio de recomendações já definidas como favoráveis na literatura científica. É essencial que informações prévias sobre os possíveis efeitos do tratamento sejam disponibilizadas. É de responsabilidade deste profissional instruir e dar suporte constante, seja por meio de explicações básicas, encaminhamento multiprofissional, encontros periódicos e informações impressas ou virtualmente de fácil acesso.
Por essa razão, o fisioterapeuta especialista em saúde da mulher tem papel fundamental na equipe de saúde, e deve integrar na prática clínica assistencial oncológica e uroginecológica.
O papel da fisioterapia consiste desde a prevenção, por meio das informações à mulher, até a minuciosa avaliação, tratamento e certificação da adesão, assim como acompanhamento a longo prazo.
Os principais recursos utilizados atualmente são: orientação insistente e constante sobre relação sexual, desde uso de lubrificantes e hidratação vaginal até de posições; conscientização pélvica e perineal; cinesioterapia e alongamento da musculatura do assoalho pélvico e da pelve, por intermédio de terapias manuais ou com dispositivos infláveis e dilatadores vaginais; e eletroanalgesia superficial ou intravaginal. Entretanto, atenção a contraindicações e situações de alerta durante o tratamento devem ser tomados tanto pelo profissional quanto pela própria paciente.
Compreender esta condição e identificar benefícios e dificuldades do tratamento pode contribuir para melhores estratégias do cuidado integral às mulheres diagnosticadas com câncer de colo de útero e impactar de forma positiva na qualidade de vida.