11 99167-0001 11 3884-7100 contato@sogesp.org.br
Logo SOGESP

#BlogRevistaMulher - Endometriose na Adolescência - Diagnóstico precoce

Dr. Julio Cesar Rosa e Silva
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP

Endometriose é uma das condições ginecológicas benignas mais comuns entre as mulheres1

Em 1925, após estudo intenso sobre a doença, Sampson propôs o termo endometriose acreditando no endométrio como a principal fonte causadora da doença2. Atualmente é definida pela presença de tecido que se assemelha a glândula e/ou estroma endometrial fora do útero, com predomínio, mas não exclusivo, na pelve feminina3.

De uma perspectiva clínica, trata-se de uma doença crônica, inflamatória, sistêmica e dependente do ciclo menstrual, que tem como principais sintomas dor e/ou infertilidade4.

Mesmo após 100 anos de sua descoberta, ainda é uma doença desafiadora - tanto sua etiopatogenia quanto diagnóstico e tratamento e se torna ainda mais desafiadora quando em pacientes jovens.

Determinar a prevalência da endometriose é difícil, à medida que os estudos incluem mulheres em fases diferentes de sua vida reprodutiva e utilizam critérios diagnósticos diferentes, mas estima-se que comprometa de 5 a 15% das mulheres no período reprodutivo5, podendo chegar a 50-60% das pacientes com dor pélvica crônica ou infertilidade6.

Em adolescentes, mulheres de 11 a 21 anos, a mesma prevalência parece ser confirmada7.

A literatura tem sido alimentada com dados sobre endometriose na adolescência mostrando que mulheres cada vez mais jovens são diagnosticadas com esta doença8. Entretanto o diagnóstico correto de endometriose permanece um verdadeiro “calcanhar de Aquiles” para os ginecologistas. O tempo desde o início dos sintomas até o diagnóstico ainda é muito longo, variando de 4 a 11 anos4.

Na população adolescente o diagnóstico de endometriose é ainda mais desafiador, e quanto mais jovem a paciente inicia os sintomas da doença, maior é o tempo para que o diagnóstico seja estabelecido9.

No Brasil, a média de tempo do início dos sintomas até o diagnóstico é de 12,1 anos para pacientes que apresentaram o começo dos sintomas com até 19 anos e de 3,3 anos para pacientes que iniciaram os sintomas com mais de 30 anos de idade9.

O tempo para o diagnóstico entre pacientes com faixa etária diferentes também foi confirmado por outros trabalhos. Em um estudo publicado em 2009, no qual 4.334 mulheres foram avaliadas, o tempo para o diagnóstico em pacientes que manifestaram sintomas na adolescência foi três vezes maior em comparação a pacientes que iniciaram os sintomas na fase adulta (seis anos x dois anos)10.

Além disso, foi descrito que pacientes atendidas por médico generalista tiveram um maior atraso diagnóstico (4,7 anos) quando comparadas a pacientes que buscaram atendimento por ginecologista (3,6 anos) ou especialistas (2,7 anos)10.

Tendo em vista que a demora no diagnóstico da doença predispõe à cronicidade da dor, a progressão para quadros graves, necessidade de cirurgias mais complexas e maior morbidade, torna-se, em especial para o ginecologista, uma tarefa essencial estar capacitado para o diagnóstico correto e precoce, principalmente em pacientes jovens, prevenindo tais complicações, bem como protegendo o futuro reprodutivo destas pacientes.

 

Diagnóstico e tratamento

A dor pélvica é o sintoma mais comumente relacionado à endometriose, ocorrendo na maioria das vezes uma associação entre dismenorreia, dor pélvica acíclica e/ou dispareunia de profundidade. Entretanto, em cerca de 12% das pacientes, a dor no período menstrual pode ser o único sintoma relatado11.

Paralelamente, a dismenorreia também é o sintoma menstrual mais comum apresentado por adolescentes, com uma prevalência que varia de 50 a 90%. Assim, por ser um sintoma comum nesta faixa etária, existe uma tendência a normalizá-lo, tanto por parte dos familiares destas adolescentes quanto pelos médicos, contribuindo para a demora no diagnóstico da doença12.

A diferença entre os conceitos de dismenorreia primária e secundária devem estar bem claros para o ginecologista. A dismenorreia primária é definida como dor no período menstrual na ausência de afecções pélvicas. Coincide cronologicamente com o início dos ciclos ovulatórios, ou seja, 6 a 12 meses após a menarca.  Sua fisiopatologia é baseada em mediadores inflamatórios, prostaglandinas e leucotrienos, e quadro clínico habitual de dor que se inicia pouco antes ou juntamente com a menstruação, podendo durar de horas a dias, em casos excepcionais. (GANTT, 1981) Já a dismenorreia secundária é definida como dor no período menstrual secundária a afecções pélvicas como adenomiose, infecções, leiomiomas, anomalias mullerianas, cistos ovarianos e endometriose, sendo esta última a causa mais comum13.

 

Diante de uma paciente com dismenorreia, como diferenciar?

O primeiro passo é dar atenção à queixa de dor, buscando suas características como início, relação com a menarca, relação com outros sintomas, intensidade, fatores de piora ou melhora e sua evolução ao longo do tempo.

Em 2015 um estudo com adolescentes diagnosticadas com endometriose através de laparoscopia demonstrou que muitas apresentavam dor acíclica (não relacionada com o período menstrual), 56% apresentavam queixas gastrointestinais e 52% sintomas geniturinários, atentando para a importância de investigar e questionar a presença dos mesmos quando está diante de uma paciente com dor pélvica14.

Diante de uma adolescente com quadro suspeito de dismenorreia primária, o tratamento empírico é recomendado. Anti-inflamatórios não esteroidais são a primeira opção. Deve-se orientar iniciar o tratamento um ou dois dias antes do início do período menstrual (analgesia preemptiva) e mantê-lo por 2 ou 3 dias, tornando-o assim mais efetivo15.

Tratamento medicamentoso hormonal também pode ser considerado em associação aos anti-inflamatórios quando a baixa resposta destes. Seu efeito está relacionado à menor proliferação endometrial e ovulação, com diminuição na produção de prostaglandinas e leucotrienos, além de um provável efeito analgésico do progestagênio16.

Tratamentos alternativos como atividade física e tratamento térmico local (compressa morna) são relatados e recomendados, visto potencial benefício, baixo custo e baixo risco de complicações. Outros tratamentos, como suplementação de vitamina D, óleo de peixe, vitamina B1, estimulação nervosa transcutânea, carecem de mais evidências15.

Tão importante quanto o início do tratamento para adolescentes com dismenorreia primária é o seguimento e avaliação da resposta. Casos em que a dismenorreia persista por 3 a 6 meses, evoluindo para cronicidade, a suspeita de dismenorreia secundária deve ser sempre levada em consideração. Além disso, a coexistência com outros sintomas (gastrointestinais, urológicos, musculoesqueléticos, psicossociais) é um sinal importante para ampliar a investigação para causas secundarias de dor pélvica15.

Em adolescentes, a ausência da sexarca muitas vezes limita a investigação semiológica desde a anamnese, visto inexistência de sintomas que poderiam contribuir para o diagnóstico como dispareunia, até o exame físico pélvico que se torna limitado para o ginecologista. Além disso, mesmo pacientes jovens que iniciaram a vida sexual têm maior limitação em relatar ao ginecologista a ocorrência de dispareunia9.

Diante da suspeita de dismenorreia secundária, sabendo que a endometriose é a causa mais comum, exames complementares se fazem necessários cuja propedêutica inicial deve ser realizada com ultrassonografia pélvica. Importante ressaltar, contudo, que exame físico e ultrassonografia pélvica normais não eliminam o diagnóstico de endometriose15.

A ressonância magnética da pelve é importante em quadros suspeitos de anomalias mullerianas, endometriomas ou outros cistos ovarianos, ou como investigação complementar ao ultrassom, quando este não é elucidativo.  Já a dosagem sérica de CA-125 NÃO é recomendada como rastreio diagnóstico ou como seguimento para endometriose17.

A laparoscopia diagnóstica é uma ferramenta que pode ser utilizada, porém, em casos individualizados, onde há forte suspeita clínica, entretanto sem diagnóstico confirmado pelos exames especializados de imagem e/ou em casos de dor persistente refratária ao tratamento clínico com exames normais8. Por se tratar de um exame mais invasivo, levando em consideração riscos cirúrgicos e anestésicos, a decisão por essa conduta deve ser sempre compartilhada com a paciente e seus familiares.

A laparoscopia também tem a possibilidade de ser terapêutica caso sejam encontradas lesões, as quais devem ser sempre biopsiadas objetivando a confirmação diagnóstica. É indicada a exérese de lesões superficiais e a ressecção completa de implantes profundos. Histerectomia, ooforectomia, peritonectomia, e outros tratamentos cirúrgicos amplos não são recomendados para pacientes jovens, e mesmo em pacientes adultas têm sua eficácia duvidosa. A laparoscopia deve ser sempre realizada por profissional especializado, visto que lesões iniciais muitas vezes não são percebidas por médicos pouco familiarizados com a doença15.

A maioria das adolescentes submetidas a laparoscopia com o diagnóstico de endometriose se encontram no estádio inicial da doença.18 Mas é importante ter em mente, para também orientar paciente e familiares, de que não existe relação direta entre os sintomas e a gravidade da doença.

É indicado, principalmente para pacientes jovens com endometriose, a terapia de supressão hormonal com contraceptivos combinados orais, SIU de Levonorgestrel ou progestágenos isolados orais, injetáveis ou implantes subdérmicos, mesmo para pacientes submetidas a tratamento cirúrgico, visto se tratar de uma doença crônica15.

Devido seu efeito a longo prazo sobre a mineralização óssea, o uso de análogo de GnRH para pacientes jovens não é indicado. Em casos excepcionais, devido à gravidade ou refratariedade a outros tratamentos, se o mesmo for utilizado, a add-back terapia com terapia hormonal deve ser prescrita desde o início do tratamento, prevenindo sintomas climatéricos e perda de massa óssea8,15.

Tão importante quanto o diagnóstico é o seguimento destas pacientes. É fundamental uma boa relação e diálogo adequado com a paciente na consulta, com linguagem acessível, favorecendo o bom entendimento. O uso de escalas de dor pode favorecer a quantificação e caracterização dos sintomas e sua evolução, como por exemplo, a escala visual analógica de dor15. Tratamento multidisciplinar é sempre indicado, em especial o apoio psicológico com importância particular em pacientes adolescentes, além de estímulo à atividade física regular, alimentação saudável e mudança de estilo de vida.

Endometriose há um século é uma doença desafiadora, ainda mais quando levamos em conta o diagnóstico em pacientes jovens. Por outro lado, neste público, o diagnóstico correto consiste uma verdadeira missão para o ginecologista, que pode atuar preventivamente no futuro reprodutivo, além de evitar complicações de uma doença que pode prejudicá-la do ponto de vista biológico, psicológico e social ao longo da vida.

 

QUANDO SUSPEITAR DE DISMENORREIA SECUNDÁRIA?

Início dos sintomas imediatamente após a menarca

Piora progressiva dos sintomas

Associação com anomalias do trato urinário ou outras afecções congênitas

Associação com outros sintomas, como sangramento uterino anormal, dor acíclica e dispareunia

Baixa resposta a analgésicos

História familiar positiva para endometriose

Pontos-chave

  • Endometriose também é uma doença de adolescentes;
  • Dismenorreia é o sintoma mais comum;
  • Diagnóstico precoce previne cronicidade da dor, progressão de doença e comprometimento do futuro reprodutivo;
  • Exame físico e ultrassonografia normais nunca devem descartar o diagnóstico;
  • Tratamento cirúrgico deve objetivar a exérese completa de lesões profundas.
  • Análogo de GnRH deve ser tratamento de exclusão em pacientes jovens, e se realizado, sempre associado à add-back terapia.
  • Acompanhamento de longo prazo é fundamental para diminuir recorrência, controlar sintomas e evitar infertilidade.

 

Referências

Eskenazi B, Warner Ml. Epidemiology of endometriosis. Obstet Gynecol Clin North Am. 1997;24(2):235-58.

SAMPSON JA. Heterotopic or misplaced endometrial tissue. Am J Obstet Gynecol. 1925;10(5):649-64.

Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Endometriose. São Paulo: FEBRASGO, 2021 (Protocolo FEBRASGO-Ginecologia, n. 78/Comissão Nacional Especializada em Endometriose).

Agarwal Sk, Chapron C, Giudice Lc, Missmer Sa, Singh Ss, Taylor Hs. Clinical diagnosis of endometriosis: a call to action. Am J Obstet Gynecol. 2019;220(4):354.

Viganò P, Parazzini F, Somigliana E, Vercellini P. Endometriosis: epidemiology and aetiological factors. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2004;18(2):177-200.

GIUDICE LC. Clinical practice. Endometriosis. N Engl J Med. 2010;362(25):2389-98.

ATTARAN M, GIDWANI GP. Adolescent endometriosis. Obstet Gynecol Clin North Am. 2003;30(2):379-90.

Bourdel N, Matsusaki S, Roman H, Lenglet Y, Botchorischvili R, Mage G, Canis M. Endometriosis in teenagers. Gynecol Obstet Fertil. 2006;34(9):727-34.

Arruda Ms, Petta Ca, Abrao Ms, Benetti-Pinto Cl. Time elapsed from onset of symptoms to diagnosis of endometriosis in a cohort study of Brazilian women. Human Reproduction. 2003;18(4):756-9.

Greene R, Stratton P, Cleary S D, Ballwed, Ml, Sinaii N. Diagnostic experience among 4334 women reporting surgically diagnosed endometriosis. Fertility and Sterility. 2009;91(1):32-39.

SANTOS TMV, PEREIRA AMG, LOPES RGC, DEPES DB. Tempo transcorrido entre o início dos sintomas e o diagnóstico de endometriose. Einstein. 2012;10(1):39-43.

AL-JEFOUT M, NAWAISEH N. Continuous Norethisterone Acetate versus Cyclical Drospirenone 3 mg/Ethinyl Estradiol 20 mg for the Management of Primary Dysmenorrhea in Young Adult Women. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2016;29(2):143-7.

GANTT PA, MCDONOUGH PG. Adolescent dysmenorrhea. Pediatr clin North Am. 1981; 28(2):389-95.

Dun Ec, Kho Há, Morozov Vv, Kearney S, Zurawin Jl, Nezhat Ch. Endometriosis in adolescents. JSLS. 2015;19(2):e2015.

ACOG Committee Opinion No. 760 Summary: Dysmenorrhea and Endometriosis in the Adolescent. Obstet Gynecol. 2018;132(6):1517-18.

Maximo Mm, Silva Os, Vieira Cs, Goncalvez Tm, Rosa-E-Silva Jc, Candido-Dos-Reis Fj, Nogueira Aa, Poli-Neto Ob. Low-dose progestin-releasing contraceptives are associated with a higher pain threshold in healthy women. Fertil Steril. 2015;104(5):1182-9.

Management of Endometriosis. Practice Bulletin No 114. American College of Obstetricians and Gynecologists. Obstet Gynecol 2010;116:223-36.

Revised American Society for Reproductive Medicine classification of endometriosis: 1996. ASRM. Fertil Steril. 1997;67(5):817–21

 

COAUTORES:

Bianca Gomes Peixoto: Ginecologista e Obstetra pelo Hospital das Clínicas da FMRP/USP, com Tego pela Febrasgo. Especialista em Endoscopia Ginecológica e Endometriose pela            Irmandade Santa Casa de São Paulo com Título de Especialista pela Febrasgo. Mestranda no programa de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP/USP

Julia Kefalás Troncon: Ginecologista e Obstetra com Tego pela Febrasgo. Título de especialista em Endoscopia Ginecológica pela Febrasgo. Mestre em Ciências pelo DGO - FMRP/USP. Doutorado em andamento pelo DGO - FMRP/USP. Médica Assistente do Setor de Cirurgia Ginecológica e do Setor de Reprodução Humana do HCFMRP-USP

Omero Benedicto Poli Neto: Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Coordenador do Biobanco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia e do Biobanco da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

 

Próximos eventos