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Puberdade precoce e covid-19
Autoras: Dra. Rosana Maria dos Reis
Professora no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
Dra. Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva
Professora no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
Edição 15
A puberdade precoce (PP) nas meninas é caracterizada pela presença do desenvolvimento de mamas e/ou crescimento de pelos axilares ou pubianos, denominados como caracteres sexuais secundários, antes dos 8 anos de idade.
A condição pode gerar consequências à criança em diversos aspectos, tanto físicos quanto psicológicos e comportamentais. Por isso, é muito importante compreender as melhores maneiras de diagnóstico e tratamento. Para isso, as doutoras Rosana Maria dos Reis e Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva, professoras no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, esclarecem as principais dúvidas sobre o assunto.
Diagnóstico e identificação
É importante identificar se os caracteres sexuais de aparecimento precoce são progressivos, isto é, se apresentam evolução de todos os eventos que caracterizam o processo puberal. A cronologia dos eventos do processo puberal inicia-se pela telarca (aparecimento de mamas), seguida pela pubarca (aparecimento de pelos pubianos), em cerca de 85% dos casos. São acompanhadas por uma aceleração na velocidade de crescimento, podendo atingir cerca de 10 cm ao ano, por um período médio de 2 anos, e finaliza com a menarca, denominação da primeira menstruação.
A Puberdade Precoce (PP) pode ser de origem central, dependente do eixo hipotálamo hipofisário (hormônio liberador da gonadotrofina - GnRH e Hormônio Folículo Estimulante (FSH)/Hormônio Luteinizante (LH)), ou uma pseudopuberdade, com fonte de estrogênio ou androgênio, independente de estímulo central, geralmente de origem ovariana ou adrenal.
Quando o aparecimento de mamas ou de pelos ocorre de maneira isolada, sem evolução para o desenvolvimento de todos os caracteres sexuais secundários, ou mesmo de aceleração de crescimento, podemos denominar o evento de telarca isolada ou pubarca isolada, respectivamente.
A telarca isolada é mais incidente nos dois primeiros anos de vida das meninas, em decorrência de um processo fisiológico conhecido como mini puberdade. Crianças do sexo feminino podem apresentar elevações transitórias no FSH após o nascimento, por um período médio de dois anos. Essas oscilações do FSH podem estimular o aparecimento de cistos ovarianos com produção de estradiol por tempo limitado e a ação sistêmica do estradiol pode levar ao desenvolvimento das mamas. Na evolução do quadro, o desenvolvimento das mamas pode chegar ao estágio 3 de Tanner, mas não é observado aparecimento de pelos ou aceleração de crescimento; e o quadro autolimitado é reversível.
Já a pubarca precoce está mais associada ao funcionamento da adrenal, seja devido à hiperplasia adrenal de manifestação tardia ou mesmo devido a uma hiper-reação dos receptores androgênicos nos folículos pilosos, em decorrência dos níveis mais elevados dos androgênios adrenais por ação fisiológica da corticotrofina hipofisária (ACTH).
Independentemente da origem e da benignidade do quadro de puberdade precoce, sendo inclusive fisiológico em alguns casos de idade limítrofe (maiores de 7 anos), há sempre a necessidade de investigação antes de se optar pela conduta expectante.
Puberdade Precoce x Covid-19
Estudos recentes têm apontado para um aumento significativo no número de diagnósticos de puberdade precoce em meninas, aumento da velocidade de progressão do quadro puberal e antecipação da idade da menarca durante os dois anos de pandemia em comparação com o período imediatamente anterior.
A associação mais evidente com este quadro é o de aumento de índice de massa corporal nas crianças por conta do isolamento social, redução da atividade física e mudanças no hábito alimentar, o que aparece em todos os estudos. Além disso, aventa-se a influência de alguns outros fatores comportamentais como potenciais influenciadores, tais como: tempo de exposição a telas (com influência em níveis de serotonina e dopamina), menor exposição solar, estresse crônico, pior qualidade de sono, mudança no padrão alimentar interferindo na microbiota intestinal e mudanças de alguns hormônios relacionados à questão de fome e saciedade, como por exemplo a grelina.
Vale ressaltar que são todos estudos pequenos, na sua maioria retrospectivos, e com grupo controle baseado em controle histórico, por isso, devemos ter cautela ao analisar os dados publicados. Porém, isso não tira a importância de prestarmos atenção a esta questão e para a orientação dos pais na a prevenção do quadro de PP secundário a estes fatores descritos.
Tratamento
Todos os casos de PP central ou de pseudopuberdade devem ser tratados. O objetivo é cessar a ação dos estrogênios no desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e na genitália interna, além de inibir a ação destes sobre os ossos, impedindo a aceleração na maturidade óssea e o comprometimento da estatura final das meninas.
Noventa por cento das PP centrais são idiopáticas. Neste caso, o tratamento é bloquear o eixo hipotálamo hipofisário com agonista do GnRH de depósito, de ação mensal ou trimestral. Desta maneira, cessará o estímulo central e os ovários ficarão em repouso. O tratamento deve ser mantido até os 11 a 12 anos de idade. Na PP central de origem tumoral, a qual é diagnosticada por exame de imagem de SNC, o tratamento é específico, podendo ser clínico ou cirúrgico.
Na pseudopuberdade, o tratamento é na causa de base, seja do distúrbio da tireoide, distúrbio da adrenal (deficiência enzimática ou de causa tumoral) ou cistos ovarianos persistentes e produtores de estrogênios, bem como na Síndrome de Mac Cune Albrigth ou tumores ovarianos produtores de hormônios esteroides. Deve-se estar atento também à ingestão acidental de hormônios esteroides, como contraceptivos hormonais da mãe.
Já na telarca isolada, o tratamento é conservador – acompanhar a evolução e regressão do desenvolvimento mamário. E na pubarca isolada, uma vez descartada origem tumoral da produção androgênica, realizar tratamento sintomático das manifestações clínicas como acne moderada ou severa e hirsutismo.