#BlogRevistaMulher - Transtornos mentais na gestação e no puerpério
Dra. Renata Cruz Soares de Azevedo
Professora Associada do Departamento de Psiquiatria da FCM/UNICAMP
Coordenadora do Ambulatório de Saúde mental perinatal do CAISM/UNICAMP
A gestação e a chegada de um bebê representam um período de alegrias e esperança, e são vividas positivamente para a maioria das mulheres. Porém, podem ser um desafio para algumas gestantes e puérperas, particularmente as que se encontram em contextos desfavoráveis de vida e que não desejaram a gravidez, produzindo muito sofrimento. Em função disso, é importante dar espaço para que ela fale como se sente, escutar empaticamente, avaliar as queixas, sua gravidade e diferenciar sentimentos de sintomas. As condições de saúde mental perinatais incluem quadros que ocorrem durante a gravidez ou nos primeiros 12 meses após o parto, independentemente de o início ocorrer antes da gravidez ou durante o período perinatal.
Apesar da disponibilidade de abordagens eficazes para detecção e tratamento, transtornos mentais perinatais são subreconhecidos e subtratados, o que pode levar a efeitos deletérios a curto e longo prazo. Problemas de saúde mental estão associadas a consequências adversas obstétricas, fetais, neonatais e infantis, incluindo restrição de crescimento fetal, prematuridade, baixo peso ao nascer, prejuízos na vinculação mãe-bebê e problemas no neurodesenvolvimento que impactam na infância, adolescência e, por vezes ao longo da vida.
Transtornos mentais no período perinatal, particularmente depressão e ansiedade, afetam mais de uma em cada cinco mulheres, repercutem em menor adesão ao cuidado pré-natal, estão entre as complicações mais comuns da gravidez e do primeiro ano após o parto e afetam toda a família.
A depressão é caracterizada por pelo menos duas semanas de anedonia, humor deprimido, desesperança, ideias de culpa, redução da autoestima, fadiga, sintomas cognitivos e impacto na funcionalidade. A depressão perinatal afeta aproximadamente uma em cada sete mulheres (14%), destas, 27% com início antes da gravidez, 33% durante a gravidez e 40% no pós-parto.
Pacientes grávidas tendem a ser mais suscetíveis a transtornos de ansiedade em comparação com pacientes no pós-parto. Os transtornos ansiosos são caracterizados pela presença de nervosismo, preocupação excessiva, alterações do sono, somatizações, medo e tensão desproporcionais, com prevalência média de 13% no período perinatal. Os quadros mais frequentes são o transtorno de ansiedade generalizada, fobias específicas e transtorno do pânico.
Embora com menores prevalências, transtorno bipolar, transtornos alimentares, psicose pós-parto e comportamento suicida (que engloba ideias de suicídio, planejamento suicida e tentativa de suicídio) também devem ser reconhecidos, particularmente em mulheres com antecedente de quadros psiquiátricos ao longo da vida e, em especial, em outras gestações ou puerpérios. Destaca-se também a necessidade de indagação sobre o uso de substâncias psicoativas, sejam elas lícitas (bebidas alcoólicas, cigarro de tabaco, medicamentos sem indicação) ou ilícitas (maconha, cigarro eletrônico, cocaína, sintéticos, entre outras) que devem ser evitadas durante a gestação e aleitamento.
As atuais recomendações indicam incluir na rotina de pré-natal triagem para depressão e ansiedade ao menos duas vezes durante a gravidez (na primeira consulta e por volta da 28a semana) e pelo menos uma vez no período pós-parto. Os principais instrumentos de triagem, já traduzidos em validados em português são:
Escala de Depressão Pós-Natal de Edimburgo (EPDS), que teve seu uso ampliado para a gestação e não apenas o puerpério; Questionário de Saúde do Paciente-9 (PHQ-9); Inventário de Depressão de Beck (BDI); Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), constituída por 14 itens, sendo sete para a avaliação da ansiedade (HADS-A) e sete para a depressão (HADS-D) e estudo recente brasileiro (Albaraçin, Azevedo e Pacagnella) apontou bom desempenho da Self Report Questionnaire (SRQ20) para triagem de ansiedade, depressão e comportamento suicida.
A realização de rastreio apresenta diversos benefícios, entre eles, melhorar a percepção da mulher sobre os próprios sintomas, orientar a psicoeducação, recomendar o encaminhamento de pacientes com resultado positivo para psicoterapia, terapia de grupo ou outras opções de apoio disponíveis e iniciar tratamento medicamentoso quando indicado. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina, particularmente sertralina e escitalopram devem ser considerados medicamentos de primeira linha e o uso de benzodiazepínicos deve ser evitado.
O rastreio de transtorno bipolar é necessário quando houver a indicação de uso de medicação antidepressiva, devendo ser investigada a história psiquiátrica, com destaque para quadros de hipomania ou mania (antecedente de período de pelo menos 1 semana de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável, aumento de atividade ou energia, autoestima inflada ou grandiosidade, diminuição da necessidade de sono, pressão para falar e pensamentos acelerados). Destaca-se que o uso de valproato não é recomendado na gestação e o uso de lítio, quando indicado, deve ser cuidadosamente monitorado.
A detecção de risco de suicídio (quando a paciente refere que preferiria morrer, que tem pensado em se matar ou mesmo considerou método para suicídio) requer avaliação aprofundada rapidamente.
Nas decisões sobre intervenção em saúde mental é fundamental considerar o importante papel das abordagens psicológicas e sociais; a necessidade, os riscos e benefícios da introdução de medicação psicotrópica; o que pode acontecer se a medicação for interrompida, particularmente de forma abrupta e as possíveis consequências da falta de tratamento.
Além dos quadros iniciados no período perinatal, cabe destacar que a gravidez não protege contra a recorrência ou agravamento de episódios de Transtorno mental preexistes e que a saúde mental precária na gravidez é um forte preditor de doença mental pós-natal.
Nesse sentido, é fundamental valorizar o cuidado à saúde reprodutiva, a orientação e acesso a métodos contraceptivos quando for o desejo da mulher e planejar a gravidez antes da sua ocorrência, particularmente em mulheres com Transtorno Mental (TM). Em mulheres que já fazem tratamento para TM, o ideal é que a paciente esteja psiquiatricamente estável e possíveis mudanças de medicação sejam feitas antes da gravidez. Porém, mais de 50% das gestações não são planejadas, logo, a maioria dos profissionais terá a experiência de ter uma paciente sob medicação psiquiátrica que engravida inesperadamente. Portanto, é fundamental se atualizar sobre o tema, utilizando revisões recentes de boa qualidade e ferramentas digitais de apoio à decisão sobre fármacos.
Em relação ao uso de psicofármacos, alguns pontos merecem ser destacados: tente optar por medicamentos mais seguros, sendo que os mais antigos têm mais dados e sempre que possível em monoterapia; não interrompa os medicamentos precipitadamente frente à notícia de uma gravidez, isso pode causar grande estresse para a paciente, desencadear sintomas de descontinuação/abstinência e facilitar piora ou recaída do TM; se a decisão for interromper um medicamento, este deve preferencialmente ser reduzido gradualmente; os benefícios da amamentação estão muito bem documentados e todos os medicamentos psicotrópicos passam para o leite materno, assim, se um bebê foi exposto a um medicamento durante a gravidez, pode não fazer sentido descontinuar a medicação para amamentar (ou contraindicar a amamentação), exceto se a mãe está tomando um medicamento com risco de efeitos graves com a exposição continuada do bebê.
Há ainda muita insegurança sobre o uso de medicação psiquiátrica na gestação e aleitamento, em função disso, sempre que possível, privilegie uma abordagem de equipe (obstetra, psiquiatra, pediatra, psicóloga(o), assistente social, enfermeira(o), entre outros) e valorize a participação da paciente, família e rede de apoio no compartilhamento das decisões, disponibilizando informações acessíveis e esclarecendo as dúvidas.
É fundamental destacar que trabalho em equipe traz ganhos para quem é cuidado e para quem cuida, mas a(o) obstetra tem papel central no acolhimento, avaliação, abordagem e, quando necessário, encaminhamento pertinente, além de gerenciar medidas que garantam que os cuidados de saúde mental sejam contínuos até pelo menos um ano após o parto, utilizando a rede de saúde disponível.
Cabe reiterar que os problemas de saúde mental perinatais têm efeitos danosos nos resultados maternos, obstétricos, no nascimento, na prole, na família e são uma causa evitável de morbidade e mortalidade materna. O estigma, o preconceito e a discriminação têm impacto negativo nas mulheres com TM e obstaculizam o acesso e qualidade do cuidado. Tratamentos eficazes e baseados em evidências estão disponíveis e são seguros durante a gravidez e a lactação. Psicoterapia, farmacoterapia e intervenções adjuvantes tais como higiene do sono, nutrição equilibrada, exercício e apoio social são os principais pilares do cuidado, utilize-os sempre que necessário.
Sugestões de leitura:
Screening and Diagnosis of Mental Health Conditions During Pregnancy and Postpartum: ACOG Clinical Practice Guideline No. 4. Obstet Gynecol. 2023 Jun 1;141(6):1232-1261. doi: 10.1097/AOG.0000000000005200. PMID: 37486660.
Treatment and Management of Mental Health Conditions During Pregnancy and Postpartum: ACOG Clinical Practice Guideline No. 5. Obstet Gynecol. 2023 Jun 1;141(6):1262-1288. doi: 10.1097/AOG.0000000000005202. PMID: 37486661.